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“Vozes mulheres” Leitura de poemas escritos por mulheres negras


“Vozes mulheres” Leitura de poemas escritos por mulheres negras: Festival Cultura DendiCasa Arte de Casa para o Mundo


Durante esse período de distanciamento social causado pela pandemia provocada pelo covid-19, algumas discussões acerca da economia cultural tem sido pautadas por instituições estaduais e privadas, visto que muitos artistas não possuem contratos com empresas ou patrocínios, estão impossibilitados de fazer seu trabalho devido as restrições de distanciamento, muitos artistas cearenses, como no meu caso e de todxs nos que fazemos parte do Ressonância Preta, realizamos nosso trabalho principalmente nas escolas nos assentamentos e nas ferramentas de culturas como centros culturais, memorial, casa de saberes, etc. Sem a possibilidade de estar na rua, procuramos por meios de sobrevivência, com aquilo que sabemos fazer e principalmente daquilo que nos move, nos motiva e nos engaja, com um sentimento de transformação e possibilidade de existência.

Com o intuito de mover essa economia, de amparar os artistas cearenses e difundir e divulgar trabalhos produzidos no período de isolamento ou que tenham sido revisados durante esse período a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult) lançou o Edital de convocação para o Festival Cultura DendiCasa Arte de casa para o Mundo, onde o objetivo principal seria a garantia do direito de acesso a arte e a cultura e o entendimento deste direito como sendo importante para a nossa existência, principalmente em momentos de crise. Este projeto também visa amenizar o impacto na economia do setor cultural diante do cenário de enfrentamento a pandemia. Foram 400 projetos aprovados, dentre eles o “Vozes Mulheres” Leitura de poemas escritos por mulheres negras, escrito e dirigido por mim, em colaboração do Samuel Maciel, que fez câmera e ajudou na edição e finalização desse projeto. Todos os outros projetos foram reunidos numa plataforma digital, exclusiva para a cultura cearense, além de notícias e agenda de programação online da Rede de Equipamentos do Estado do Ceará . (https://culturadendicasa.secult.ce.gov.br/)




Por que falar/ler mulheres negras?


Este projeto parte de uma necessidade de ler e ouvir mulheres negras. Historicamente silenciadas pelo sexismo e racismo estrutural. Nossas vozes ainda hoje são abafadas pela sociedade e quando uma mulher negra fala ela geralmente precisa falar mais alto (o que na maioria das vezes é lido/ouvido como um grito, quando estamos apenas expressando nossa raiva/dor/angustia/medo). Nossa tentativa de conquistar espaços – de poder – na sociedade brasileira é vista como uma ação agressiva, “apenas militante”, esvaziada de conceito, significado e teorias. Mas nós, mulheres negras, enquanto uma coletividade cheia de força e subjetividade e particularidades, estamos cada vez mais nos movendo, e sendo as pretas, como disse Angela Davis a base da pirâmide desta estrutura de sociedade – racista, machista, sexista e capitalista –, quando a gente se move todo o resto se move junto e isso ainda vai incomodar muitas pessoas, pois como bem frisa a Filosofa Djamila Ribeiro

“(...) mesmo diante dos limites impostos, vozes dissonantes têm conseguido produzir ruídos e rachaduras na narrativa hegemônica, o que, muitas vezes, desonestamente, faz com que essas vozes sejam acusadas de agressivas justamente por lutarem contra a violência do silêncio imposto”.

E por isso que a cada dia que passa ganhamos mais força, entoamos o desejo de liberdade, justiça, igualdade, equidade, reparação, acesso e permanência. As mulheres negras estão cada vez mais organizando espaços para que mais mulheres possam ter suas vozes ouvidas, para que possam produzir, estar na academia, conseguirem alcançar suas graduações e títulos, para que possam ser reconhecidas e valorizadas como artistas, fotografas, escritoras, poetas, pesquisadoras, etc. Para que as novas gerações, não só das meninas e mulheres negras e de cor, mas todas as mulheres do mundo possam saber de suas ancestralidades e a histórias das que vieram antes. É sobretudo através daquilo que elas deixaram para nós que podemos agora com novas linhas e novas perspectivas contar nossa própria história.

Este projeto para mim é a tentativa de criar espaços para a leitura de poemas de mulheres negras e, com isso, faz também com que mais pessoas conheçam suas histórias e trajetórias que mesclam a arte com as experiências pessoais de cada mulher negra. Esse processo vai de encontro ao conceito de escrevivência, criado pela escritora Conceição Evaristo, o qual aproxima o processo de escrita, da vivência dessas mulheres. Coloca em questão histórias nunca antes contadas, reconta histórias mal contadas e se utiliza do lugar de fala para afirmar-se como sujeito e não mais como objeto.





O projeto traz como título um poema de Conceição Evaristo, Vozes mulheres. Que é tão importante e potente para mim, pois, foi a Conceição a primeira escritora negra que eu li e tive acesso, foi através de seus escritos que pude me perceber e me afirmar enquanto uma mulher negra e principalmente reconhecer e valorizar a trajetória de vida-luta das mulheres que vieram antes de mim, não somente minha mãe e minha avó, ambas negras, mas também de mulheres como Maria Carolina de Jesus, Beatriz Nascimento, Lélia Gonzales, Sueli Carneiro e tantas outras. Foi através de Conceição que pude também olhar para tudo que escrevia com outros olhos, e começar a escrever sobre meu processo de aceitação de minha identidade negra.

Vozes-mulheres, porque é para mim a força da união de diversas mulheres pretas, é o entendimento de que eu sou parte das mulheres que vieram antes de mim e que minhas filhas e netas no futuro também serão parte de mim assim como eu serei delas.

Para a proposta do Edital reuni poemas-lutas de mulheres escritoras e artistas, principalmente do estado do Ceará. Este projeto é uma espécie de vídeo-ensaio experimental, gravado dentro de casa, de peito aberto e a vontade de compartilhar esse processo de afirmação da identidade negra. Trago o texto da Kinaya Black (Gisele Sousa), que tenho a honra e orgulho de compartilhar essa plataforma e a vida, foi através do seu livro de poemas (Versos Livres, Como Nós) que pude perceber que a maioria de nós tem história de vida bem parecidas, que enfrentamos os mesmos medos e frustrações, e que precisamos estar juntas para enfrentar estes processos, e trago mais um de seus poemas que me fazem acreditar numa irmandade possível entre as mulheres, é principalmente com a Gisele que resinifico a sonoridade e o feminismo.


Making of do projeto "Vozes Mulheres" Leituras de poemas escritos por mulheres negras.
Momento da leitura de 'Versos livres, como nós' da Kinaya Black

"Descobrir que a lua

o tem luz própria

Mas ilumina a noite


Aprendi que brilhamos

Quando apoiamos

Umas às outras!

-Pretas não são inimigas!"

(Black, Kinaya. Versos Livres, como nós / Kinaya Black. - Belo Horizonte : Letramento, 2019.)


Trago também textos da Jarid Arraes, Aline Nobre, Mikaelly Andrade, Riany Leão e Helen Salomão. Me fortaleço ao lado destas mulheres e espero poder ser força para outras também. As escolhas dos poemas lidos tensionam os traumas de infância, afirmam uma identidade feminina, negra e feminista, celebram a beleza da arquitetura dos cabelos crespos e cacheados em conjunto com a pele preta. Relembram também que a poesia pode ser um lugar de cura e encontro com uma identidade forte e empoderada. A escolha de cada poema não é aleatória, visto que cada uma das poesias encontradas foi e é importante para que eu possa falar sobre minha própria trajetória. Trago também duas poesias autorais, uma intitulada “O que aprendi com Rupi Kaur” e “Vozes Negras”. Nestes dois textos trago a Rupi Kaur e Conceição Evaristo como referência, foi com elas que aprendi a ler, a entender e me reconhecer enquanto mulher negra. Enquanto me encontrava em cada palavra de seus escritos ia também costurando minhas histórias e escrevendo sobre minhas vivencias, medos e aprendizados. Escrevo para curar e sarar feridas ancestrais, seculares. E vejo que a escrita liberta e cura.




Juntando linguagens artísticas como a literatura, a performance e as artes visuais, sobre o audiovisual, produzi este pequeno vídeo, como especie de ensaio experimental, usando como plano de fundo minha sala, meu quarto, minha pequena casa, meu lar. Lugar de onde produzo, escrevo, fotografo e reescrevo minha história. Reconheço que nenhuma arte é impessoal, trago minha subjetividade para este trabalho e espero encontrar pessoas que se identifiquem para que possamos caminhar juntxs.






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